domingo, dezembro 30, 2012

Scion, um vinho do Porto com 155 anos

“Nasceu em meados do século XIX. A admirável forma como este raro e muito velho vinho enfrentou a passagem do tempo faz da sua descoberta um marco na história do vinho. Ele é em si mesmo um pedaço de história. (.) Taylor’s Scion, um vinho como este nunca mais será feito”. É desta forma, com a tensão própria de quem anuncia algo de transcendente, bem ao jeito das promoções melodramáticas dos grandes filmes de Hollywood, que começa a apresentação de um vinho do Porto com 155 anos que a empresa Taylor’s lançou no Natal de 2011. Cada garrafa, das 1500  vendidas custa 2500 euros.

Quem a comprar, não vai pagar apenas o vinho. Pagará também o luxo do decanter de cristal soprado manualmente em que foi engarrafado, do livro que conta a história do vinho com ilustrações originais de uma artista inglesa e da caixa de teca maciça que o guarda. A Taylor’s não poupou nos pormenores para transformar cada garrafa de Scion num objecto raro, destinado sobretudo a coleccionadores e a amantes de vinhos do Porto velhos.
Se não estivéssemos perante uma operação comercial, a história do Scion merecia entrar nos anais do vinho do Porto. E, mesmo assim, talvez mereça. Ela espelha bem a riqueza escondida que há no Douro e a secular tradição de fazer tawnies, vinhos que vão envelhecendo lentamente em pipas de madeira colocadas em lugares frescos e protegidos da luz. Em 2008, David Guimaraens, enólogo da Taylor’s, pôde provar um vinho do Porto muito antigo que estava guardado em dois cascos num armazém na aldeia de Prezegueda, perto da Régua. O vinho fazia parte de uma reserva privada de uma família tradicional da região e foi passando de geração para geração. A reserva seria mais vasta, pois diz-se que Winston Churchill, amante de Porto, teria comprado um casco.
Em 2009, o único descendente directo da família morreu sem deixar filhos e os herdeiros decidiram vender o vinho. A Taylor’s adquiriu amostras de dois cascos e resolveu comprá-los. O longo tempo passado em madeira não tinha apenas concentrado o vinho, tinha-o convertido, diz a empresa, numa “essência sublime”. Nascia assim o Scion, palavra com duplo significado: designa o descendente ou herdeiro de uma família nobre e também o garfo de uma planta especialmente utilizado para a enxertia.
A Fugas pôde provar este vinho pré-filoxérico. Meio cálice apenas, que o Scion é caro, mas foi o suficiente para ficarmos a salivar e a passar longamente a língua pelos lábios, procurando eternizar a memória de tanta doçura. É um vinho naturalmente com cor de velho que, ao primeiro contacto, ainda liberta vapores etílicos intensos. Mas, à medida que estes se vão desvanecendo, o que prevalece é um bouquet sedutor e complexo, cheio de sugestões de torrefacção, charuto, especiarias negras, chocolate, melaço, madeira. Na boca, é viscoso e amplo de sabor, deixando-se quase mastigar e envolvendo o palato numa sinfonia sensorial que termina de forma surpreendentemente fresca, quase picante. Cada pequenino gole que se dá deixa um rasto interminável.
É tão concentrado e intenso que basta uma gota para desencadear uma volúpia arrebatadora. E mesmo depois de já não restarem vestígios de líquido no copo, a memória do vinho ainda continua lá, impregnada no vidro. E durante dias a fio. Basta metermos o nariz no copo e inspirarmos um pouco, para voltarmos a sentir o perfume doce e quente do Scion.
Autor: Pedro Garcias

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